Em um breve reflexão, você pode imaginar: Será que estamos retrocedendo? Quanto mais tecnologia temos mais burros estamos ficando… Asimov já dizia isso em 1957 no conto “A Sensação do Poder”…
A SENSACAO DE PODER
“Em meu conto “A Sensação de Poder”, publicado em 1957, lancei
mão de computadores de bolso, cerca de dez anos antes de tais
computadores se tornarem realidade. Cheguei mesmo a
considerar a possibilidade de eles contribuírem para
que as pessoas acabassem perdendo a capacidade
de fazer operações aritméticas à maneira antiga.”
(Introdução – Isaac Asimov)
Jehan Shuman estava acostumado a lidar com os homens responsáveis pelas tropas espalhadas pela Terra. Era apenas um civil, mas tinha criado os programas que possibilitaram o surgimento dos mais avançados computadores automáticos de guerra. Consequentemente, os generais ouviam sua opinião. Os líderes das comissões parlamentares também.
Havia um militar e um político no salão especial do Novo Pentágono. O general Weider tinha um rosto bronzeado pelos raios de muitos sóis, e sua pequena boca, cheia de rugas, quase não aparecia. O deputado Brant tinha um rosto suave e olhos claros. Ele fumava um charuto denebiano com a segurança de alguém cujo patriotismo era tão notório que podia se permitir certas liberdades.
Shuman, alto, distinto, um típico programador de elite, encarou-os destemidamente.
– Cavalheiros – disse ele -, esse é Myron Aub.
– É aquele que tem um talento incomum, que você descobriu por acaso – disse Brant, sereno. – Ah. – Ele estudou o pequeno homem de cabeça oval e careca com uma curiosidade cordial.
Em resposta, o homenzinho torceu os dedos de suas mãos ansiosamente. Nunca tinha visto homens tão importantes em sua vida. Era um técnico envelhecido e sem importância, que há muito tempo tinha fracassado em todos os testes destinados a selecionar as pessoas talentosas da humanidade e se acomodara numa rotina de trabalhos não especializados. Tinha apenas um passatempo que, de pois de descoberto pelo grande programador, acarretara todo esse estardalhaço.
– Acho infantil esse clima de mistério – disse o general Weider.
– Vai deixar de achar em um minuto – disse Shuman. – Esse é o tipo de coisa que não pode vazar para qualquer um… Aub! Havia um pouco de autoritarismo na sua maneira de pronunciar esse nome monossilábico, mas, nesse caso, era o grande programador falando para um simples técnico. – Aub! Quanto é nove vezes sete?
Aub hesitou um pouco. Seus olhos pálidos brilharam, ligeiramente ansiosos.
– Sessenta e três – disse ele.
O deputado Brant levantou as sobrancelhas.
– Ele acertou?
– Veja você mesmo, deputado.
O deputado tirou seu computador de bolso, apertou as teclas duas vezes, olhou para a superfície na palma de sua mão e guardou-o.
– É esse o talento que você trouxe para nos mostrar? Um ilusionista?
– Mais que isso, senhor. Aub decorou algumas operações e com elas faz cálculos num papel.
– Um computador de papel? – disse o general. Ele parecia aflito.
– Não senhor – disse Shuman pacientemente. – Não é um computador de papel. É um simples pedaço de papel. General, o senhor faria a gentileza de sugerir um número?
– Dezessete – disse o general..
-E o senhor, deputado?.
– Vinte e três.
– Ótimo. Aub, multiplique esses números e, por favor, mostre a esses cavalheiros como você faz isso..
– Sim, programador – disse Aub, fazendo uma reverência com a cabeça. Tirou um bloco de um dos bolsos da camisa e do outro uma caneta de bico fino. Sua testa se enrugava enquanto desenhava meticulosamente no papel..
O general Weider interrompeu-o bruscamente..
– Deixe-me ver isso.
Aub entregou-lhe o papel..
– Bem, isso parece com o número dezessete – disse Weider..
O deputado Brant balançou a cabeça..
– Parece sim, mas eu acho que qualquer um pode copiar as figuras de um computador. Talvez até eu possa fazer um dezessete razoável, mesmo sem prática..
– Se vocês deixarem Aub continuar, cavalheiros – disse Shuman, sem se perturbar..
Aub continuou com as mãos um pouco trêmulas. Depois de algum tempo, disse em voz baixa:.
– A resposta é trezentos e noventa e um..
O deputado Brant checou de novo o computador. – Por Deus, é isso mesmo. Como ele adivinhou?.
– Ele não adivinhou, deputado – disse Shuman. – Ele calculou o resultado nesse pedaço de papel..
– Conversa furada – disse o general, impaciente. – O computador é uma coisa, desenhos no papel são outra..
– Explique, Aub – pediu Shuman..
– Pois não, programador. Bem, eu escrevo dezessete, embaixo dele, escrevo vinte e três. Depois, digo comigo mesmo: sete vezes três….
– Só que o problema é dezessete vezes vinte e três interrompeu-o o deputado, cortês..
– Sim, eu sei – disse o pequeno técnico, num tom sério. Mas eu começo por sete vezes três, porque é assim que funciona. Agora, sete vezes três são vinte e um..
– Como é que você sabe isso? – perguntou o deputado..
– É uma questão de memória. É sempre vinte e um no computador. Já conferi um monte de vezes..
– Isso não quer dizer que vai ser assim para sempre, não? disse o deputado..
– Talvez não – gaguejou Aub. – Não sou matemático. Mas as minhas respostas sempre estão certas..
– Continue..
– Sete vezes três é vinte e um, então eu escrevo vinte e um. Depois, um vezes três é três e, então, escrevo o três embaixo do dois de vinte e um.
– Por que embaixo do dois? – perguntou de pronto o deputado..
– Porque… – Aub olhou desesperado para o seu superior, como se estivesse pedindo ajuda. – É difícil de explicar..
– Se vocês aceitarem o seu trabalho por um momento, podemos deixar os detalhes para os matemáticos..
Brant se acalmou..
– Três mais dois é igual a cinco – disse Aub. – Então o vinte e um vira cinqüenta e um. Você deixa isso de lado um pouquinho e começa de novo. Você multiplica sete por dois, que é catorze e um por dois, que dá dois. Se você colocá-los assim, isso vai dar trinta e quatro. Agora coloque o trinta e quatro embaixo do cinqüenta e um dessa forma e faça a soma, então terá a resposta final, que é trezentos e noventa e um..
Houve um momento de silêncio..
– Não acredito nisso – disse o general Weider. – Ele vem com essa conversa furada e desenha os números, multiplica e soma dessa maneira, mas não acredito. Isso é muito complicado. Não passa de um truque..
– Não, senhor – disse Aub, ansioso. – Só parece complicado porque o senhor não está acostumado. Na verdade, as regras são muito simples e funcionam com qualquer número..
– Qualquer número, hein? – disse o general. – Então, vamos ver. – Pegou o seu computador (um modelo GI de estilo austero)e apertou-o ao acaso. – Escreva cinco sete três oito no papel. Isto é cinco mil, setecentos e trinta e oito..
– Sim, senhor – disse Aub, pegando uma folha em branco..
– Agora – mais toques no seu computador – sete dois três nove. Sete mil, duzentos e trinta e nove..
– Sim, senhor..
– Agora, multiplique esses dois números..
– Isso vai demorar um pouco – disse Aub, com uma voz trêmula..
– Fique à vontade – disse o general..
– Vá em frente, Aub – disse Shuman, incisivo..
Aub pôs-se a trabalhar, inclinando-se para baixo. Virou outra página e mais outra. O general pegou o relógio e viu as horas..
– Você já terminou o seu número de magia, técnico?.
– Estou terminando, senhor. Aqui está, senhor. Quarenta e um milhões, novecentos e trinta e sete mil, trezentos e oitenta e dois. Ele mostrou o resultado rabiscado no papel..
O general Weider sorriu amargamente. Ele pressionou o botão de multiplicação do seu computador e deixou os números rodopiarem até parar. Então ele olhou o resultado e gritou surpreso. – Grande Galáxia, esse cara está certo..
O Presidente da Federação Terrestre tinha adquirido uma expressão macilenta devido à longa permanência nos escritórios; nas audiências, ele permitia que uma expressão vagamente melancólica tomasse conta de suas feições. A guerra denebiana, depois de um breve começo de grande agitação e muita popularidade, tinha se restringido a uma sórdida questão de manobras e contramanobras, com o descontentamento crescendo continuamente na Terra. Provavelmente também estava crescendo em Deneb..
E agora, o deputado Brant, líder do importante Comitê de Apropriações Militares, estava alegre e entusiasmadamente desperdiçando a sua audiência falando barbaridades..
– Calcular sem um computador – disse o presidente, impaciente – é absolutamente impossível..
– Calcular – disse o deputado – é apenas um sistema de manipulação de dados. Uma máquina pode fazer isso, da mesma forma que a mente humana. Deixe-me dar-lhe um exemplo. E, usando as novas habilidades que tinha aprendido, desenvolveu somas e produtos até que o presidente, a despeito de sua desconfiança, se mostrou interessado. – Isso sempre funciona?.
– Sempre, Sr. Presidente. É infalível..
– É difícil de aprender?.
– Passei uma semana até pegar o macete. Acho que o senhor precisaria de menos tempo..
– Isso é um joguinho interessante – disse o presidente, depois de pensar um pouco. – Mas qual a sua utilidade?.
– Qual a utilidade de um bebê recém-nascido, Sr. Presidente? Por enquanto, não tem nenhuma utilidade, mas o senhor não vê, isso aponta o caminho que libertará a máquina. Pense bem Sr. Presidente. – O deputado se levantou e sua voz profunda automaticamente assumiu algumas das entonações que usava nos debates. – A guerra denebiana é uma guerra de computador contra computador. Os computadores deles produzem um escudo impenetrável de contramísseis contra os nossos mísseis, assim como os nossos fazem contra os deles. Quando modernizamos nossos computadores, eles também modernizam os deles, e há cinco anos existe um equilíbrio precário e inútil..
Agora temos em nossas mãos um método para ir além do computador, pular por sobre ele, ultrapassá-lo. Combinaremos a mecânica do computador com o pensamento humano; teremos o equivalente aos computadores inteligentes; bilhões deles. Não posso prever detalhadamente quais serão as conseqüências, mas elas serão incalculáveis. E, caso os denebianos se antecipem a nós nesse aspecto… o resultado pode ser uma catástrofe..
– O que podemos fazer? – disse o presidente, preocupado..
– Colocar o poder da administração em favor de um projeto secreto de computação humana. Chame-o de Projeto Número, se quiser. Posso me responsabilizar pelo meu comitê, mas vou precisar do apoio da administração..
– Mas até onde a computação humana pode ir?.
– Não há limites. De acordo com o programador Shuman, que me apresentou essa descoberta….
– Já ouvi falar de Shuman, é claro..
– Sim. Bom, o Dr. Shuman me disse que, teoricamente, não há nada que um computador faça que não possa ser feito pela mente humana. O computador apenas processa um número finito de dados e opera um número finito de operações a partir deles. A mente humana pode reproduzir esse processo..
O presidente pensou um pouco..
– Se Shuman diz isso, estou inclinado a acreditar nele… em teoria. Mas, na prática, como alguém pode saber como um computador funciona?
Brant sorriu cordialmente..
– Sr. Presidente, eu fiz a mesma pergunta. Ao que parece, houve uma época em que os computadores eram projetados diretamente pelos seres humanos. Eram computadores simples; antecederam a época em que o uso racional dos computadores fez com que eles projetassem computadores mais avançados.
– Sim, sim. Continue.
– Aparentemente, o técnico Aub conseguiu, por puro lazer, reconstituir alguns desses velhos esquemas, estudou os detalhes do seu funcionamento e descobriu que podia copiá-lo. A multiplicação que acabei de fazer para o senhor é uma imitação do funcionamento de um computador.
– Surpreendente!
O deputado tossiu educadamente.
– Se posso fazer mais uma observação, Sr. Presidente… quanto mais pudermos desenvolver essa coisa, mais poderemos desviar nosso esforço federal da produção de computadores e de sua manutenção. Assim que o cérebro humano assumir o poder, nossas melhores energias poderão ser canalizadas para procurar a paz, e a influência da guerra nos homens comuns será menor. Isso será mais vantajoso para o partido no poder, é claro.
– Ah – disse o presidente. – Entendo o que você quer dizer. Bem, sente-se, deputado, sente-se. Preciso de algum tempo para pensar. Enquanto isso mostre-me esse truque da multiplicação de novo. Deixe ver se eu consigo pegar o macete. O programador Shuman não tentou apressar o assunto. Loesser era conservador, muito conservador, e gostava de lidar com os computadores da mesma forma como seu pai e seu avo. Mesmo assim, ele controlava o monopólio de computadores do oeste europeu; se conseguisse entusiasmá-lo com o Projeto Número, um passo muito grande seria dado.
Mas Loesser continuava com um pé atrás
– Não sei se gosto da idéia de afrouxarmos as nossas rédeas sobre os computadores. A mente humana é uma coisa caprichosa. O computador sempre nos dará a mesma resposta para o mesmo problema. Qual a garantia que temos de que com a mente humana será assim?
– A mente humana, Loesser, apenas manipula os fatos. Não importa se a mente humana ou a máquina faz isso. Elas são apenas instrumentos.
– Sim, sim. Acompanhei sua engenhosa demonstração de que a mente humana pode imitar o computador, mas isso me parece um pouco vago. Aceito a teoria, mas que razão n6s temos para achar que a teoria será confirmada na prática?
– Acho que temos uma razão, senhor. Afinal de contas, os computadores não existiram sempre. O homem das cavernas, com suas trirremes, machados de pedra e estradas de ferro, não tinha computadores .
– E provavelmente não sabia calcular.
– Você sabe muito bem que sim. Até a construção de uma estrada de ferro ou de um zigurate requeria algum tipo de cálculo, e, como nós sabemos, isso foi feito sem computadores.
– Você está sugerindo que eles calculavam da mesma maneira que você me mostrou?
– Provavelmente não. Afinal de contas, esse método, que, a propósito, chamamos de “grafítico”, da velha palavra européia graphos, que quer dizer “escrita”… esse método foi desenvolvido a partir dos próprios computadores, portanto não pode ter sido usado pelos primitivos. Ainda assim, o homem das cavernas deve ter tido algum método, não?
– Artes perdidas! Se você está falando de artes perdidas…
– Não, não é isso. Não sou um entusiasta das artes perdidas, embora não afirme que não exista nenhuma. Afinal, o homem comia cereais antes de aprender a fazer culturas hidropônicas, e se os primitivos comiam cereais, eles deviam cultivá-los no solo. De que outra forma poderiam ter conseguido?
– Não sei, mas só acreditarei em terra cultivada quando vir algum grão crescer no chão. Também só acreditarei que se faz fogo esfregando uma pedra na outra no dia em que me mostrarem que isso é possível.
Shuman tentou ser conciliador.
– Bem, vamos nos ater aos graníticos. Isto tudo faz parte do processo de eterificação. O transporte por meio de pesados equipamentos está sendo substituído por transferência direta de massa. Os instrumentos de comunicação se tornam cada vez mais leves e mais eficientes. Por causa disso, compare seu computador de bolso com aquelas engenhocas pesadas de mil anos atrás. Então, por que não dar também o Ultimo e definitivo passo, e abolir os computadores? Vamos, senhor, o Projeto Número é inevitável; ele está progredindo rapidamente. Mas queremos sua ajuda. Se o patriotismo não for suficiente para engajá-lo, pense na aventura intelectual que está em jogo.
– Que progresso? – disse Loesser com ceticismo. – O que você pode fazer além de multiplicar? Pode integrar uma operação transcendental?
– Dentro em breve, senhor, Dentro em breve. No mês passado, aprendi a dividir. Posso determinar, e corretamente, quocientes inteiros e quocientes decimais.
– Quocientes decimais? De quantas casas?
O programador Shuman tentou manter um tom natural.
– Qualquer número!
Loesser ficou de queixo caído.
– Sem um computador?
– Faça um problema.
– Divida vinte e sete por treze. Em seis casas.
Cinco minutos depois, Shuman disse:
– Dois, vírgula, zero sete meia nove dois três.
Loesser conferiu.
– Isso é realmente fantástico. A multiplicação não me impressionou muito porque, afinal, isso envolvia números inteiros e acho que uma hábil manipulação pode conseguir isso. Mas decimais…
– E isso não é tudo. Há uma nova pesquisa em curso que até agora é ultra-secreta e que, falando sinceramente, não posso revelar. Mesmo assim… estamos perto de aprender a fazer uma raiz quadrada.
– Raiz quadrada?
– Ainda tem algumas coisas pendentes e não conseguimos acertar na mosca, mas o técnico Aub, o homem que inventou essa ciência e que tem uma incrível sensibilidade para a coisa, assegura que está prestes a resolver o problema. E ele é apenas um técnico. Um homem como o senhor, um matemático talentoso e tarimbado, não encontraria tanta dificuldade.
– Raiz quadrada – resmungou Loesser, encantado.
– Raiz cúbica também. E então? Está conosco?
Loesser levantou a mão rapidamente.
– Pode contar comigo.
O general Weider marchava de um lado para o outro da sala e se dirigia aos ouvintes à sua frente como se fosse um professor ranzinza diante de uma turma de estudantes indóceis. Pouco lhe importava se eram os cientistas civis que coordenavam o Projeto Número. O general era um líder em todos os lugares e assim se comportava em todos os momentos de sua vida.
– Nenhum problema com as raízes quadradas, então – disse ele. – Eu mesmo não sei como fazê-las, mas já estão concluídas. Mesmo assim, não vamos interromper o projeto só porque já solucionamos os problemas que alguns de vocês consideram essenciais. Vocês podem fazer o que quiserem com os grafíticos depois que a guerra acabar, mas, nesse exato momento, temos problemas específicos que precisam ser solucionados.
Num canto distante, o técnico Aub ouvia aflito. É claro que há muito tempo deixara de ser um técnico, tendo sido dispensado de suas tarefas e convocado a participar do projeto, com um título pomposo e um ótimo salário. Mas é claro que as diferenças sociais permaneciam e os líderes científicos, altamente classificados, jamais o aceitariam em seu meio ou o tratariam em pé de igualdade.
E Aub tampouco desejava isso. Sentia-se tão incomodado entre eles como eles se sentiam incomodados na sua presença.
– Nós só temos uma meta, cavalheiros – estava dizendo o general. – Substituir os computadores. Uma nave que possa viajar pelo espaço sem um computador a bordo pode ser construída em um quinto de tempo e por um décimo dos custos de uma nave computadorizada. Poderíamos ter frotas especiais cinco ou dez vezes maiores do que as de Deneb se eliminássemos os computadores. E até vejo mais além disso. Talvez agora pareça loucura ou um simples sonho. Mas no futuro eu posso ver mísseis tripulados .
Houve um instantâneo murmúrio por parte da platéia.
O general prosseguiu:
– No momento, nosso problema principal é que a inteligência dos mísseis é limitada. O computador que os controla não pode alterar o rumo programado e, por essa razão, eles sempre acabam sendo detidos por antimísseis. Poucos mísseis, se é que algum consegue chegar a seu objetivo, e a guerra de mísseis está prestes a acabar; felizmente, tanto para o inimigo, como para nós.
Por outro lado, um míssil com um ou dois homens dentro, controlando o vôo com graníticos, seria mais leve, mais ágil e mais inteligente. Isso nos daria uma vantagem que pode significar a vitória. Além disso, cavalheiros, as necessidades da guerra nos obrigam a lembrar de uma coisa. Um homem é mais descartável do que um computador. Mísseis tripulados podem ser lançados em maior número e sob circunstâncias que nenhum general empreenderia se usasse mísseis computadorizados.
Ele discorreu sobre muito mais coisas, mas o técnico Aub não esperou. O técnico Aub, na intimidade dos seus aposentos, elaborou cuidadosamente sua carta de despedida. Ela dizia o que se segue: “Quando comecei a estudar o que agora chamam de graníticos, isso não passava de um passatempo. Nada mais do que um agradável passatempo, um exercício para a cabeça.
Quando o Projeto Número começou, achava que as pessoas fossem mais esclarecidas do que eu e que os graníticos poderiam ser usados para ajudar a humanidade, apoiando a modernização dos instrumentos necessários à transferência de massas. Mas agora vejo que ele só será usado para a morte e a destruição.
Não posso suportar a responsabilidade de ter inventado os grafíticos.
Depois, virou contra si o foco do despolarizador de proteínas e morreu instantaneamente.
Eles se reuniram em torno do túmulo do pequeno técnico para prestar-lhe honra por sua notável descoberta.
O programador Shuman fez uma reverência com a cabeça, junto com os outros, mas continuou imóvel. O técnico tinha dado sua contribuição e não era mais necessário. Ele podia ter começado os graníticos, mas agora que o projeto já estava em andamento, iria se desenvolver automaticamente até triunfar, tornando os mísseis tripulados uma realidade, juntamente com tantas outras coisas.
Nove vezes sete, pensou Shuman com orgulho, sessenta e três. Não precisava mais que um computador lhe dissesse isso. Sua própria cabeça era um computador. E isso lhe dava uma fantástica sensação de poder.
ASIMOV, Isaac. Sonhos de Robô. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1991.
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